AMAMENTANDO O BEBÊ DOENTE – PARTE 2
Quando um bebê está doente, seja doença aguda ou crônica, é importante se esforçar o máximo possível para garantir que a mãe continue a amamentá-lo. Na verdade, não só é possível como benéfico para o bebê e para a mãe continuar amamentando. Bebês doentes precisam continuar mamando, especialmente se a doença for uma infecção, uma vez que os fatores imunológicos do leite materno continuam a ser produzidos e até mesmo se adaptam às bactérias ou vírus que estão adoecendo o bebê. Visto que mães e bebês, num contato físico tão próximo, compartilham os mesmos germes, a mãe provavelmente produzirá anticorpos contra a própria infecção atual do bebê. Além disso, o bebê é confortado pela amamentação, principalmente doente. As mães também precisam continuar amamentando para evitar o ingurgitamento mamário. E o mais importante, a mãe é confortada amamentando o bebê.
Existem algumas doenças no bebê que exigem que as mães parem de amamentar?
Existem casos muito raros em que a doença do bebê exige a interrupção da amamentação. Uma dessas doenças é a galactosemia, causada por um erro inato do metabolismo em que o bebê é incapaz de metabolizar o açúcar galactose adequadamente. A galactose é um dos dois açúcares que compõem a lactose, açúcar presente no leite materno. O outro é a glicose.
Como o bebê não consegue metabolizar a galactose da maneira habitual, uma via alternativa de metabolismo é realizada, resultando na formação de um composto tóxico, o galactitol. Este composto faz com que o bebê desenvolva doença hepática, catarata ocular, lesão cerebral e, se a remoção da galactose da dieta do bebê não for instituída, o bebê pode falecer.
Não há como remover a galactose do leite materno, pelo menos no momento, portanto, um bebê com galactosemia completa não deve ser amamentado. No entanto, alguns bebês têm apenas galactosemia “parcial” (variante de Duarte), onde têm alguma, porém pouca, enzima para metabolizar a galactose (aproximadamente 10-25% dos níveis normais). Esses níveis fazem com que o bebê seja capaz de metabolizar a galactose de maneira adequada, sem sofrer os efeitos devastadores da galactosemia clássica. Eles podem e devem mamar, assim como qualquer outro bebê. Bebês com níveis mais baixos de enzima podem ser parcialmente amamentados. A propósito, a galactosemia parcial é muito mais comum do que a doença completa.
Outros erros inatos do metabolismo também podem tornar a amamentação mais perigosa do que a alimentação artificial. A tirosinemia é, talvez, um deles, mas é tão rara que ainda não se estudou devidamente se a amamentação é possível para o bebê. O tratamento da tirosinemia é uma “dieta baixa em proteínas”, mas o leite materno contém significativamente menos proteínas do que a maioria das fórmulas. Além disso, como a maior parte da proteína do leite materno não é absorvida pelo trato intestinal, pode ser possível que um bebê com tirosinemia seja pelo menos parcialmente amamentado. (Lactoferrina e anticorpos combinados constituem 60 a 70% de todas as proteínas do leite materno e não são absorvidos pelo bebê).
Quanto à doença da urina do xarope de bordo (leucinose) e muitos outros erros inatos do metabolismo extremamente raros, não sabemos muito. Os tratamentos “padrão” geralmente são fórmulas especiais, embora seja possível que os bebês amamentem. A ideia na cabeça de muitos especialistas é que, uma vez que “a fórmula é igual ao leite materno” e a fórmula comum é contra-indicada nessas doenças raras, o leite materno e, obviamente, a amamentação também são contra-indicados. Talvez sejam mesmo, mas presumir sem ter provas não é razoável. Assim como as proteínas são pouco absorvidas no intestino do bebê, talvez outras diferenças entre o leite materno e a fórmula tornariam possível amamentar o bebê com segurança.
Fenilcetonúria (PKU)
Bebês com fenilcetonúria podem amamentar, pelo menos parcialmente. É assim que, era uma vez, lá atrás, conseguíamos que bebês com PKU amamentassem no Hospital for Sick Children em Toronto. “Era uma vez”, porque eu entendo que agora as mães de bebês com PKU simplesmente são orientadas que não podem amamentar. Eu acho uma pena porque eles poderiam mamar, e não receberiam apenas leite materno, mas também aquela relação especial de amamentar. É uma pena, porém, que essa noção de relação íntima, física e emocional que é a amamentação não se enquadre no “modelo médico”.
O problema é que bebês com PKU não podem metabolizar fenilalanina em tirosina, e o acúmulo de fenilalanina resulta em danos cerebrais e catarata, entre outras coisas. No entanto, a fenilalanina é um aminoácido essencial, ou seja, você precisa dele para o metabolismo adequado. Então, o bebê com PKU precisa de fenilalanina, mas não em grande quantidade.
Na década de 1980, quando eu tinha acabado de iniciar a clínica de amamentação no Hospital for Sick Children, as pessoas da clínica de fenilalanina me procuraram e perguntaram como poderiam ajudar as mães a amamentar por mais tempo. Os bebês pararam de mamar logo após o nascimento, geralmente com 2 ou 3 semanas de vida. E é fácil perceber por quê.
Antes da minha sugestão sobre como ajudar as mães a amamentar, elas foram orientadas a amamentar desta forma:
1. O bebê seria pesado antes da mamada.
2. A mãe então alimentava o bebê 10 minutos de cada lado (contados no relógio).
3. A mãe pesava o bebê após a mamada no peito.
4. A mãe daria o resto da alimentação (calculada pelo nutricionista para garantir que o bebê não recebesse muita fenilalanina) com uma fórmula de baixo teor de fenilalanina.
Basta um pouquinho de conhecimento sobre amamentação para saber que isso não funcionaria.
1. A mãe tinha que carregar a balança com ela onde quer que fosse.
2. Pode-se facilmente imaginar que a mãe ficava muito ansiosa com o bebê recebendo “muito leite materno” e, consequentemente muita fenilalanina, resultando, provavelmente, na mãe restringindo o tempo do bebê na mama.
3. Os bebês passaram a preferir a mamadeira, o que não é surpreendente.
Eu trouxe esta solução
1. O nutricionista calcularia a quantidade aproximada de fórmula de baixo teor de fenilalanina que o bebê necessitaria.
A mãe daria esta quantidade de fórmula com baixo teor de fenilalanina no início da amamentação no peito com um auxiliar de lactação junto ao seio.
2. Em seguida, deixar o bebê terminar de mamar no peito.
3. A quantidade de fórmula com baixo teor de fenilalanina seria ajustada dependendo dos níveis sanguíneos de fenilalanina que eram habitualmente coletados de qualquer maneira.
Aprendemos que a fórmula com baixo teor de fenilalanina era mais espessa do que as fórmulas usuais, por isso não passava facilmente pelo tubo 5F que normalmente usamos para suplementar no peito. Então, usamos um tubo maior, 8F, com um orifício mais largo para o leite passar. E funcionou bem.
O que aconteceu então? Durante o primeiro ano, houve muito mais sucesso na amamentação.
Um bebê amamentado até os 18 meses de idade
Vários amamentados até os 6 meses
Um bebê com PKU atípica pôde ser amamentado exclusivamente por seis meses
Bebês prematuros e bebês com doenças cardíacas congênitas e outras doenças
É difícil que bebês prematuros na América do Norte deixem o hospital amamentando exclusivamente. Um dos motivos é que poucas unidades de cuidados especiais praticam o verdadeiro Método Mãe Canguru. As mães costumam ser orientadas que bebês prematuros não podem ser amamentados se mais novos que 34 semanas de gestação, o que é errado. A experiência da Escandinávia mostra que alguns bebês prematuros podem começar a mamar na 27ª semana de gestação.
Além disso, a falta de confiança que muitos neonatologistas têm no leite materno e na amamentação resulta em bebês recebendo “fortificantes” misturados ao leite materno (as aspas são para sugerir que quando “fortificantes” são usados desnecessariamente, como costumam ser, eles deveriam ser chamados de “enfraquecedores” do leite materno). Os “fortificantes” são misturados com leite materno ordenhado para aumentar os nutrientes que estão faltando ou em quantidades inadequadas no leite materno. O uso de “fortificantes” pode às vezes ser necessário, mas não rotineiramente, como é habitual em muitas unidades de cuidados especiais.
Foto 1: Este bebê tem 2 semanas de vida. Ele nasceu com 28 semanas de gestação. Ele está com boa pega e mamando no peito
Foto 2: Trigêmeos nascidos prematuramente conseguiram sair da UTINeonatal sem que recebessem mamadeira ou adicionassem “fortificante” ao leite materno.
Bebês com malformações cardíacas congênitas, cardiomiopatia e outros problemas cardíacos.
É importante que esses bebês amamentem? Claro! Bebês com doenças cardíacas precisam de conforto e segurança, assim como todos os bebês. Também precisam da imunidade proporcionada pela amamentação, porque muitas vezes ficam internados por longos períodos e sabemos que os hospitais não são os melhores lugares para evitar infecções. A infecção em um bebê com doença cardíaca congênita pode ser fatal.
Esses bebês costumam ser alimentados com mamadeira porque se pensa, erroneamente, que a amamentação é muito cansativa para um bebê com doença cardíaca. Isso também não é verdade. Amamentar não é cansativo para o bebê.
A ideia de que amamentar é cansativo para o bebê surge da falsa crença de que “bebês puxam o leite”, ou seja, bebês “sugam leite do seio”. Mas isso não é entender a amamentação e como ela funciona. Os bebês não “sugam o leite da mama”. Os bebês estimulam a saída do leite da mama e a mãe quem “transfere” o leite para o bebê.
Outra questão que surge com bebês com malformações cardíacas congênitas é que alguns deles têm insuficiência cardíaca. Assim, os cardiologistas limitam a quantidade de líquido (incluindo leite materno) que o bebê pode receber. Eu penso que o exame físico cuidadoso e o monitoramento próximo desses bebês permitem que eles amamentem sem limitar a frequência ou o tempo que eles ficam na mama.
Se for realmente necessário limitar a quantidade de leite materno que o bebê recebe, é razoável, dada a importância da amamentação (amamentar é mais do que o leite), que se aumente os diuréticos e outros medicamentos que estimulam o coração a trabalhar com mais eficiência ou que diminuam o trabalho do coração. É verdade que doses maiores de medicamentos podem causar mais efeitos colaterais, mas acredito muito que vale a pena correr o risco para amamentar.
Também é possível manter o mínimo de soro intravenoso.
E, se é realmente necessário limitar a quantidade de leite materno que um bebê recebe, a mãe pode ordenhar o leite antes da mamada e dar ao bebê a quantidade “necessária” de leite com o auxiliar de lactação no seio “seco”.
Quilotórax
Uma situação especial ocorre quando um bebê desenvolve quilotórax. Esse problema geralmente surge após uma cirurgia cardíaca, mas um bebê pode nascer com ela sem motivo aparente. No caso do quilotórax após cirurgia cardíaca, o ducto torácico, que leva a linfa de volta ao coração para ser devolvido ao sangue, é inevitavelmente cortado. Isso resulta no acúmulo de linfa no espaço entre o pulmão e a parede torácica.
O quilotórax geralmente é tratado com uma dieta com baixo teor de gordura e drenagem torácica. A razão para a dieta com baixo teor de gordura é que ela diminui o fluxo linfático no ducto torácico. Este tratamento é bom para um adulto que consegue sobreviver por um tempo com uma dieta baixa em gorduras, mas não para um bebê, que precisa de gordura para crescer e se desenvolver.
A drenagem torácica é feita como em um adulto ou criança mais velha, mas geralmente os cardiologistas insistem que o bebê não deve mamar, mas deve receber uma fórmula com triglicerídeos de cadeia média. Por que triglicerídeos de cadeia média? Curiosamente, eles não são absorvidos pela linfa, mas sim diretamente no sangue, portanto, não aumentam o fluxo linfático.
Mas algo pode ser feito. Em vez de uma fórmula especial, o leite da mãe pode ser usado. O leite é centrifugado e a gordura que está no topo do leite centrifugado é retirada e armazenada para uso posterior. O departamento de nutrição então adiciona triglicerídeos de cadeia média ao leite. Não é bem leite materno puro, mas é melhor que fórmula.
Imediatamente antes de amamentar o bebê, a mãe ordenha o máximo de leite possível e o alimenta com um auxiliar de lactação na mama na “mama seca” (mama recém-extraída). O bebê provavelmente ainda receberá um pouco de leite materno da mama, mas a fórmula com triglicerídeos de cadeia média também não é totalmente isenta de triglicerídeos de cadeia longa e curta. Usar o auxiliar de lactação na mama “seca” evitará que o bebê se recuse a pegar a mama após várias semanas, o que pode ser necessário para o tratamento do quilotórax.
O bebê com fibrose cística
É importante que esses bebês amamentem? Claro! Os bebês com fibrose cística também precisam de conforto e segurança. E precisam da imunidade proporcionada pela amamentação, porque muitas vezes ficam internadas por longos períodos e sabemos que os hospitais não são os melhores lugares para evitar infecções. A infecção em um bebê com fibrose cística pode ser fatal, pois eles desenvolvem infecções pulmonares com muita facilidade.
A maioria dos bebês com fibrose cística tem dificuldade para digerir a comida, incluindo o leite materno. Mas o leite materno contém lipase (enzima que digere a gordura), proteases (enzimas que digerem proteínas) e amilase (que quebra os carboidratos complexos). É provável que, a menos que o bebê tenha uma forma relativamente branda de insuficiência de enzimas pancreáticas, ele ainda precise de enzimas extras, mas em quantidades menores.
As enzimas podem ser administradas ao bebê em um copo aberto.
É impossível discutir todas as doenças possíveis que um bebê/criança pode ter, mas com a compreensão (do profissional de saúde e da mãe) de como funciona a amamentação, com um compromisso com a amamentação, bom apoio, ajuda prática e alguma imaginação, a amamentação, e não apenas o “leite materno”, pode ser recuperada e também funcionar muito bem, apesar de muitas doenças frequentes e variadas para discutir aqui. Esses exemplos podem fornecer uma abordagem que pode funcionar para outras doenças com as quais bebês/crianças podem nascer ou desenvolver.
Por que se preocupar com tudo isso?
Porque o leite materno e a amamentação são importantes para a saúde física e emocional do bebê e também da mãe. Principalmente o bebê que está doente, que precisa ainda mais do contato físico e emocional da amamentação do que um bebê saudável, que também precisa. A mãe precisa do aleitamento materno também porque ela consegue o contato físico e emocional da amamentação. E sentirá que está contribuindo para o tratamento de seu bebê. E ela está certa. É uma pena que apenas alguns pediatras e neonatologistas entendam isso.
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Copyright for the English version: Jack Newman, MD, FRCPC, 2017, 2018, 2020
Copyright for the Portuguese version: Jack Newman, MD, FRCPC, 2020
Portuguese translation by Dra Maria Luisa Silva Quintino (Brazil)