QUANDO DÓI PARA AMAMENTAR PARTE 1
Mamilos doloridos são o problema mais frequente em nossa clínica, juntamente com o “o bebê não mama o suficiente”, embora, claro, infelizmente, os dois problemas coexistam com frequência.
Mamilos doloridos quase sempre podem ser evitados ou, se acontecerem, tratados muito mais facilmente quando o bebê tem poucos dias de vida do que quando o bebê tem algumas semanas de vida ou mais.
Infelizmente, muitos profissionais de saúde acreditam que a dor na amamentação é normal. Eu discordo veementemente disso. A dor nos diz que algo está errado. Mas, como resultado dessa crença de que amamentar “normalmente” dói, dizem às mães de várias maneiras: “Basta aguentar que vai melhorar”. Ok, algumas vezes a dor mamilar melhora espontaneamente nas primeiras semanas, mas por que as mães deveriam sofrer por semanas, quando há tratamento eficaz disponível? Como uma enfermeira do pós-parto disse a uma de nossas pacientes: “Você não queria amamentar? Então apenas engula o choro.” Por outro lado, uma consultora de lactação que comentou com uma enfermeira que ela não sentia dor com seu próprio bebê de apenas dois dias de idade, recebeu a resposta “Você tem sorte”.
A noção de que a amamentação deve doer e que é normal é uma desculpa para não fazer nada para ajudar uma mãe com dor. Mas algo precisa ser feito. A dor mamilar pode ser terrivelmente intensa. Infelizmente, muitos profissionais de saúde não sabem o que fazer, não sabem como ajudar e muitas vezes dizem ou pensam: “Não pode estar doendo tanto assim, até porque você está continuando a amamentar”.
Foto 1: Como pode um profissional de saúde dizer à mãe que a dor da amamentação não deve ser tão forte assim porque ela continua a amamentar? Por que os profissionais de saúde não fazem algo em vez de menosprezar a dor da mãe?
Foto 2: Ajudar a mãe a conseguir uma pega assimétrica resultou na mãe da foto 1 sem dor. Observe que ajustar a pega do bebê foi muito eficaz na redução da dor. Por quê? Porque a mãe foi vista apenas alguns dias após o nascimento. O bebê ainda mamava bem e crescia bem aos 2 anos de idade.
A pega, a pega, a pega!
Eu não aceito que a dor seja inerente à amamentação; a amamentação dolorosa parece ser exclusiva dos humanos no mundo dos mamíferos. Há uma ideia de que, bem, se o trabalho de parto dói, então é natural que a amamentação também doa. Isso é um pensamento absurdo e confuso. O fim da dor do parto, acompanhado do nascimento do bebê, é dupla alegria. A amamentação dolorosa não é alegre e não tem nenhum propósito. Além disso, podemos ajudar as mães a terem uma amamentação sem dor.
Mas quando a amamentação dói, qual é a causa? Quase sempre, o problema é a maneira como o bebê pega. E assim como a mamada pode fazer com que o bebê não receba tanto leite quanto poderia, a maneira como o bebê pega o seio pode causar dor nos mamilos. Admito que, mesmo com uma pega terrível, às vezes a mãe pode não dor e, se ela tiver bastante leite, tudo pode ficar bem por um tempo. Mas se dói, a pega com certeza não é tão boa quanto poderia ser.
E por que a pega não é tão boa quanto poderia ser ?
Vários motivos, como:
1. Como o bebê está posicionado e pega a mama. Os bebês muitas vezes têm dificuldade em pegar bem nos primeiros dias pós nascimento por causa do inchaço dos mamilos e aréolas da mãe devido aos fluidos intravenosos que receberam durante o trabalho de parto, parto e depois.
2. Usando bicos artificiais, como mamadeiras, chupetas e bicos de silicone.
3. O bebê tendo língua presa.
4. A diminuição da produção de leite de início tardio é bastante comum em mães atendidas em nossa clínica e pode causar mamilos doloridos de início tardio. Por quê? Quando o fluxo de leite diminui, o bebê tende a soltar a pega do mamilo e/ou puxar a mama. Assista a este vídeo e veja como o bebê puxa o mamilo quando o fluxo diminui.
Infecção dos mamilos como Candida albicans (“sapinhos”, “tinhas”)
É importantíssimo que todos os profissionais de saúde entendam que a Candida não cresce na pele normal. Admito que, embora já soubesse disso há muitos anos, mesmo como estudante de medicina, não entendia a conexão e a importância desse fato para o caso da mãe ter mamilos doloridos. Assim, mesmo que a mãe tenha Candida crescendo em seus mamilos e/ou haja um bom motivo para acreditar que os mamilos da mãe estão infectados por Candida, Candida é um problema secundário. A Candida é amplamente conhecida na medicina como sendo “oportunista”, aproveitando-se da “fraqueza” do sistema imunológico, de forma que pessoas com câncer ou AIDS, por exemplo, correm o risco de desenvolver infecção por Candida.
No caso de uma mãe que amamenta, se Candida está causando infecção nos mamilos e, principalmente, se é difícil de tratar ou se continua recorrendo mesmo após o tratamento adequado, há outro problema subjacente. Quase sempre o problema é o dano mamilar causado na maioria das vezes pela pega não tão boa do bebê. Assim que o dano ocorre, a Candida aproveita a oportunidade para crescer ali. E as recorrências ocorrem também comumente devido a uma pega não ideal. Repito isso porque os e-mails que recebo de mães que amamentam mostram que as mães/profissionais de saúde focam na Candida, mas não no problema subjacente.
Não há motivo para que a Candida mamilar não possa ser facilmente tratada com a nossa “pomada para todos os fins” (APNO). Portanto, se não ocorrer assim, procure a causa real subjacente da dor mamilar. O profissional de saúde deve se certificar de que a pega do bebê está boa e que não causa danos contínuos ao mamilo.
A “pomada para mamilos para todos os fins” (APNO)
A APNO contém, normalmente, três ingredientes, um que mata bactérias, outro que mata Candida e outro que diminui a inflamação. Esta combinação trata muitas, senão todas, as causas da dor mamilar. Às vezes, prescrevemos a APNO com um ingrediente extra, Ibuprofeno em pó, mas raramente precisa porque em nossa clínica ajudamos os bebês a obter uma boa pega e deixamos a pomada para a mãe.
Aqui está a receita e a forma como prescrevo:
1. Pomada de mupirocina 2% (um antibiótico): 15 gramas
2. Pomada de betametasona 0,1% (um corticosteroide): 15 gramas
3. Adicionar pó de miconazol até obter concentração de 2% de miconazol
Total: 30 gramas combinados.
Aplique moderadamente após cada mamada. Não lave ou limpe.
Existem alguns problemas com a APNO
Alguns profissionais da saúde fazem sua própria pomada ou creme e chamam-no de APNO. Tudo bem, afinal, os termos “pomada para todos os fins” e APNO não estão sob copyright. Mas muitas vezes as mudanças que são feitas no “APNO” não fazem sentido e diminuem sua eficácia. Uso esta receita de APNO há pelo menos 25 anos e sua eficácia é comprovada para mim. Mas, por exemplo, o profissional prescreve cremes em vez de pomadas e eu acredito que os cremes são menos eficazes. Ou adiciona creme de Miconazol ou Clotrimazol em vez de usar o pó de Miconazol. Se o APNO for parecido com vaselina, provavelmente a receita está correta. Se for “branco cremoso”, não é o nosso APNO.
2. No Reino Unido e em vários outros países, o pó de miconazol é difícil de encontrar e a maioria das farmácias não o vende. Nesse caso, em vez de substituir, é melhor usar apenas os dois primeiros ingredientes, mupirocina e betametasona. A mupirocina mata as bactérias que habitam as áreas lesadas do mamilo, microscópicas e impossíveis de ver a olho nu, e a betametasona trata a inflamação que é grande causadora da dor que a mãe sente.
3. As mães são instruídas a parar de usar o APNO depois de uma ou duas semanas porque alguns tem medo de que a pele dos mamilos e aréolas fique mais fina. Nunca vi isso acontecer em nossas pacientes da clínica, mas talvez isso ocorre porque não usamos a APNO como tratamento definitivo. É um controle de danos para começar. A solução para os mamilos doloridos é melhorar a pega do bebê. Então, a mãe usa a APNO até que não precise mais, geralmente de 1 a 2 semanas.
4. Muitos farmacêuticos, especialmente na prática hospitalar, ficam furiosos porque acham que a mupirocina não deve ser usada. O argumento é que ele é um dos poucos antibióticos ainda eficazes contra o staphylococcus aureus resistente à meticilina (MRSA), e não devemos usá-lo muito por medo de que o MRSA se torne resistente a ele também. Bem, o supercrescimento bacteriano e a infecção mamilar geralmente se devem ao Staphylococcus aureus. Então, precisamos de um bom agente antibacteriano na APNO.
Isso diz muito sobre a forma como as mães que amamentam são vistas em nossa sociedade. A dor das mães não é vista como um problema real. Amamentar é bom, mas não é necessário, então se a mãe parar de amamentar por causa da dor, bem, não é uma grande perda. Aqui temos um tratamento, a APNO, que pode diminuir as dores. Mas não podemos usá-lo para um problema “banal” como dor mamilar. Isso me deixa muito irritado.
5. Muitas mães são orientadas a usar a pomada uma ou duas vezes ao dia, ou a lavá-la ou enxugá-la antes de o bebê voltar ao peito. Eu não concordo. Lavar os mamilos pode ressecá-los e piorar a dor. Limpar a pomada não adianta. Nossa abordagem, como explicado acima? Aplique moderadamente após cada mamada, sem lavar ou limpar.
6. É necessário dizer que eu não faço um centavo com a “pomada para mamilos para todos os fins”. Eu a recomendo não porque ganho dinheiro com isso (até porque não ganho), mas sim porque funciona, e muitas vezes ajuda a mãe a manejar o problema até que o pega do bebê melhore.
Outras causas de mamilos doloridos
1. Alguns problemas dermatológicos podem afetar os mamilos, incluindo eczema (dermatite atópica) e psoríase, os mais comuns em nossa experiência. O tratamento para esses problemas é o mesmo que seria em outras partes do corpo.
2. O vasoespasmo também pode causar fortes dores nos mamilos e nos seios. Pode ser chamado de fenômeno de Raynaud. O vasoespasmo geralmente ocorre depois que o bebê solta a mama e a temperatura do mamilo cai do calor dentro da boca do bebê para o ar externo mais frio. O mamilo normalmente fica branco por causa do sangue que não atinge a extremidade do mamilo e a mãe sente uma dor em queimação no mamilo. A dor pode irradiar para o seio, de modo que a mãe pode acreditar que a dor provem dele. Isso também é chamado de dor referida. Quando o sangue retorna ao mamilo, a mãe sente uma dor pulsante. O vasoespasmo é geralmente secundário a alguma outra causa de dor mamilar (a dor de uma pega menos do que adequada), mas às vezes pode ocorrer sem qualquer dor durante a pega ou durante a mamada. Assim, em geral, a melhora da pega e o uso do APNO resultam na melhora do vasoespasmo, embora possa levar uma ou duas semanas para desaparecer completamente, mesmo depois da mãe não sentir dor na pega ou durante a mamada. Se a dor do vasoespasmo for intensa, podemos tratar com Nifedipina oral, de liberação lenta, 30 mg uma vez ao dia. Veja este video.
Vídeo 1: O bebê acabou de sair da mama. O mamilo da mãe, inicialmente rosa, ficou branco bem na nossa frente. Este branqueamento do mamilo é devido à constrição dos vasos mamilares, causando dor em queimação na mãe. Com o passar do tempo, o mamilo voltou para rosa e a mãe sentiu uma dor latejante. Nem todo vasoespasmo dói exatamente desta forma. Por exemplo, a dor ao retornar o sangue para o mamilo pode não ser latejante e pode até estar ausente.
3. Uma condição semelhante, mas diferente, é chamada de síndrome da constrição mamária.
Quando os mamilos da mãe contêm rachaduras ou feridas
Infelizmente, com demasiada frequência, encontramos as mães quando os problemas já foram muito longe e os mamilos apresentam rachaduras ou feridas dramáticas e abertas.
Nesses casos, temos tentado e trabalhado muitos tratamentos, muitos dos quais decepcionantes. Nos últimos anos, descobrimos que o gel para feridas Medi-Honey (marca registrada) é muito útil, mas também não para todos os casos. A mãe o aplica dentro da ferida e, em seguida, aplica a “pomada para mamilos para todos os fins” sobre ele e o resto da aréola.
Algumas soluções comuns que não devem ser usadas:
1. Tirar o bebê da mama “para descansar o(s) mamilo(s)”
O tratamento mais importante para dor mamilar é, obviamente, a prevenção, ajudando o bebê a pegar o melhor possível, e também ajudando o bebê a obter mais leite.
Mas se a mãe tiver mamilos doloridos, a abordagem não é tirar o bebê do peito. O primeiro passo é ajudar o bebê a pegar bem e, se necessário, usar a “ pomada para mamilos para todos os fins”. Essa abordagem funciona – por que tantas mães não escutam sobre ela?
Infelizmente, muitas de nossas pacientes foram orientadas a tirar o bebê da mama “para descansar os mamilos” no segundo ou terceiro dia após o nascimento. Eu me pergunto: foi tentado realmente tudo para ajudar essa mãe e seu bebê antes que orientassem que tirasse o bebê do peito? Parece muito improvável.
Há muitas coisas a se pensar como razões para não tirar o bebê do peito:
Se o bebê for retirado da mama, a verdadeira causa dos mamilos doloridos (a pega) não foi resolvida. Na verdade, o bebê enquanto está fora do peito aprende a “pegar” em algo bastante diferente do seio e quando (e SE – um grande “se”) voltar ao seio, a pega do bebê pode facilmente ser ainda pior do que inicialmente.
Um bebê amamentado longe da mama pode não voltar a mamar. O fato do bebê não mamar provavelmente diminuirá o suprimento de leite da mãe, mesmo que ela extraia seu leite diligentemente, e a diminuição no fluxo do leite pode também consequentemente contribuir para a formação de mamilos doloridos novamente.
2. Bicos de silicone para “tratar” mamilos doloridos
Eu acredito que usar um bico de silicone para tratar mamilos doloridos é ainda pior. É muito provável que a proteção do mamilo resulte em uma diminuição significativa no suprimento de leite. Quando o suprimento de leite diminui, fica ainda mais difícil de tratar mamilos doloridos. Além disso, um bebê pegando o bico de silicone não tem boa pega. Ele, essencialmente, foi retirado do peito. Assim, a pega do bebê após ser colocado em um bico e, em seguida, ser colocado de volta no peito ficará longe do ideal e pode resultar em mamilos doloridos novamente. Fazer com que o bebê pegue uma mama ‘nua’ sem a proteção do mamilo após usar o bico de silicone por vários dias não dá certo para a maioria das mães.
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Copyright for the Portuguese version: Jack Newman MD, FRCPC 2020
Copyright for the original English version: Jack Newman, MD, FRCPC, Andrea Polokova, 2017, 2018, 2019, 2020
Translation: Dra Maria Luisa Silva Quintino (Brazil)