AMAMENTAÇÃO E DOENÇAS MATERNAS, PARTE 1
As mães são frequentemente orientadas a parar de amamentar se estiverem doentes, de forma aguda ou crônica. Na verdade, parece que a doença materna é vista como uma oportunidade para “dar permissão às mães para parar de amamentar” em vez de garantir-lhes que podem continuar amamentando com segurança. Alguns profissionais de saúde, espero que muito poucos, tem afirmado que como “a amamentação é um fardo para a mãe, é melhor que, se ela estiver doente, não continue amamentando”. Se ajudássemos as mães como deveríamos com o estabelecimento da amamentação, ela não seria um fardo, e sim fácil, relaxante e agradável. A mãe não só pode continuar amamentando com segurança, como continuar recebendo os benefícios da amamentação para a mãe e para o bebê.
A dúvida sobre a medicação materna e amamentação foi abordada em outro artigo, assim como a questão da doença aguda no bebê amamentado e a doença crônica no bebê amamentado.
Doenças às vezes requerem tratamento com algumas medicações específicas e mães que amamentam são frequentemente orientadas a parar de amamentar por causa do medicamento que tem que tomar, geralmente de forma inadequada, e outras vezes são instruídas a parar de amamentar pelo que só podemos chamar de razões bizarras. Por exemplo, uma mãe que estava amamentando um bebê de 6 meses e teve um surto de sua doença de Crohn foi orientada que o surto era devido à prolactina e que ela precisaria parar de amamentar. Acho que a prolactina age bem devagar porque a prolactina era secretada em grandes quantidades durante a gravidez e era importante na produção do leite materno imediatamente após o nascimento. Parece que a amamentação precisa ser responsabilizada por piorar todas as doenças. Às vezes, parece que, para alguns médicos, qualquer motivo é bom o suficiente para dizer às mães que parem de amamentar.
Deve-se notar que os sintomas de muitas doenças crônicas, especialmente as doenças inflamatórias, melhoram durante a gravidez. Portanto, pode parecer para muitos que, de alguma forma, a amamentação é responsável por surtos ou recidivas dos sintomas. Da mesma forma, algumas doenças crônicas pioram durante a amamentação porque as mães param de tomar seus medicamentos por serem orientadas que não podem tomá-los durante a amamentação. Veja Amamentação e Doenças Maternas, Parte 2.
A amamentação protege o bebê quando a mãe tem uma doença contagiosa
A maioria das doenças infecciosas, sejam causadas por bactéria ou vírus, costuma ter maior poder de contágio antes que a pessoa infectada tenha qualquer sintoma da doença e até mesmo antes de saber que está doente. Assim, o bebê que está mamando fica exposto ao germe por dias, até semanas, no caso de algumas infecções, antes que a mãe tenha sintomas ou tenha febre.
A maioria dos vírus apresenta o que se chama de estágio “virêmico”, quando ele está presente no sangue e assim, teoricamente, pode passar para o leite, mas esse estágio ocorre logo após a mãe ser exposta à infecção e geralmente dura apenas algumas horas e novamente, antes que a mãe saiba que está doente. Portanto, parar de amamentar no momento em que a mãe já está obviamente doente implica em parar quando o bebê mais precisa da proteção da amamentação.
É notável que tantos profissionais de saúde não entendam isso. A mãe não tinha a doença antes de consultar o médico? O bebê não estava mamando durante todo esse tempo?
Não se trata apenas de anticorpos
Todos sabem que o leite materno contém anticorpos e como eles protegem o bebê. Mas quando temos um problema, parece que ninguém realmente acredita que os anticorpos façam qualquer diferença. Mas eles importam e muito (e protegem). Habitualmente existem anticorpos no leite, mesmo que a mãe não esteja doente, mas quando uma mãe é exposta a uma infecção, novos anticorpos dirigidos especificamente contra esta infecção à qual ela foi exposta começam a ser produzidos.
Como é que isso funciona? Veja as fotos abaixo de um artigo que publiquei na Scientific American em 1995. Quando uma mãe é exposta a uma bactéria ou vírus, o germe entra em contato com células especiais em sua parede intestinal, chamadas células M. Ao contrário de outras células do intestino da mãe, estas não tentam se livrar do micróbio, mas na verdade englobam e absorvem a bactéria ou vírus.
Foto 1: Quando uma mãe que amamenta é exposta a um micróbio (vírus ou bactéria), seu corpo começa a produzir anticorpos contra ele. Em breve, esses anticorpos aparecerão no leite para proteger o bebê.
Foto 2: O agente infeccioso ao qual a mãe foi exposta estimula a produção de anticorpos contra ele. Esses anticorpos passam para o leite e ajudam a proteger o bebê.
No intestino (foto 1), as informações sobre o micróbio (vírus ou bactéria) passam por várias células normalmente encontradas sob a parede intestinal e uma, chamada linfócito B, é alterada pela exposição a essa informação, entra na linfa e em cerca de 24 horas torna-se uma célula plasmática (foto inferior), produzindo anticorpos contra o micróbio ao qual a mãe foi exposta há pouco tempo. Esses anticorpos passam para o leite e ajudam a proteger o bebê contra o agente infeccioso ao qual a mãe foi exposta. Observe que tudo isso geralmente ocorre antes que a mãe saiba que está doente. Observe também que é a exposição ao micróbio que inicia todo o processo. A mãe não precisa realmente ficar doente para que tudo isso aconteça.
Nesse ínterim, o leite materno está fornecendo ao bebê muitas outras substâncias imunológicas (lactoferrina e lisozima, para citar apenas 2 de muitas) que ajudam o bebê a lutar contra qualquer micróbio ao qual foi exposto. Os anticorpos e outras substâncias formam uma barreira nas membranas mucosas do corpo do bebê que o protege, evitando que eles entrem em seu corpo (o interior do trato gastrointestinal é considerado fora do corpo). Essa barreira impede que bactérias e vírus infectem o bebê e é uma forma importante dos anticorpos e outros fatores imunológicos o protegerem contra agentes infecciosos.
Infelizmente, não é uma conduta rara
Se não fosse tão trágico, seria cômico imaginar este cenário comum (uma história verdadeira, aliás): uma mãe desenvolve uma infecção respiratória superior (um resfriado). Ela é vista pelo médico de família e é orientada a não amamentar porque 1. O bebê pegará o resfriado pelo leite e 2. A mãe precisa começar a tomar Amoxicilina e o bebê receberá o antibiótico pelo leite. O porquê teria sido necessário consultar um médico por causa de um resfriado é uma questão que esqueceremos agora e a dúvida dos antibióticos (também desnecessários para um resfriado) que passam para o leite foi discutida em nosso site em um capítulo anterior.
Mas e o vírus que causou o resfriado da mãe? Para começar, mães e bebês, especialmente mães que amamentam, estão em contato próximo a maior parte do tempo, então quem transmitiu o vírus à mãe provavelmente também o transmitiu ao bebê. Mas, mesmo se não, a mãe já estava infectada com o vírus por alguns dias antes de se sentir mal e o bebê tem recebido fatores imunológicos do leite materno, incluindo esses novos anticorpos.
Além disso, a amamentação e o ato de amamentar, além do leite materno, também protege o bebê. O próprio ato de amamentar diminui o estresse, diminui os níveis de cortisol no bebê, diminui o choro (e, portanto, o estresse) e o contato físico, pele a pele durante a amamentação, demonstrou melhorar a resposta imunológica do bebê e diminuir a resposta inflamatória que é o que frequentemente causa os danos durante as infecções.
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Copyright for the English original: Jack Newman, MD, FRCPC, Andrea Polokova, 2017, 2018, 2020
Copyright for the Portuguese translation: Jack Newman, MD, FRCPC, Andrea Polokova, 2020
Translation to the Portuguese: Maria Luisa Silva Quintino (Brazil)