COMO A PARTE BOA DA AMAMENTAÇÃO É VISTA COMO RUIM (PARTE 2)

As mães que amamentam e seus bebês têm uma relação especial pelo próprio ato de amamentar. Amamentar é muito mais do que leite materno, mais do que apenas um método de dar leite ao bebê. A amamentação é uma relação física e emocional íntima entre duas pessoas que são muito apaixonadas uma pela outra. Isso não quer dizer que as mães que dão mamadeira a seus bebês não os amem. Só que a relação da amamentação é diferente, especial e boa. Mesmo que a mãe e o bebê estejam em contato pele a pele durante a mamada, a alimentação com mamadeira tem a boca do bebê em contato com um material artificial que não é parecido com o seio da mãe e o bico da mamadeira também não é capaz de sentir nada. A amamentação envolve a mucosa da boca do bebê, muito sensível, em contato próximo com uma parte muito sensível do corpo da mãe. Certamente, todos podem entender isso, embora muitos não o façam.

Os bebês querem mamar por vários motivos. Nem todas as razões têm a ver com a fome. Mesmo um bebê muito pequeno pode ser consolado pelo seio. A importância da relação criada com a amamentação é destacada de forma ainda mais dramática quando o bebê é mais velho e procura o seio para obter conforto e segurança (e sim, amor). O bebê mais velho mama também como forma de pegar no sono ou voltar a dormir à noite, quando se machuca, quando fica doente ou triste. Amamentar ajuda em tais situações e tranquiliza a criança, quando nada mais o fará.

A amamentação em situações de stress ou dor faz com que a criança não seja capaz de lidar com a frustração? Alguns psicólogos dizem isso. Por favor, né, gente!! Todos nós devemos aprender a lidar com a frustração porque ela é uma característica da vida moderna; não é justificativa para falar para a mãe ou para o filho “não, você tem que aprender a lidar com a frustração sozinho, nada de peito”.

A “fisicalidade” da amamentação, bem como a facilidade com que ela pode funcionar quando está livre de “dispositivos de amamentação” é um dos motivos para tantas mães quererem se livrar da mamadeira ou do bico de silicone, mesmo que a amamentação esteja “indo bem” com o intermediário. Como um acessório, muitas vezes o bico parece funcionar temporariamente, mas ao longo do tempo pode fazer com que o suprimento de leite diminua, especialmente se a mãe não tiver leite em abundância no início.

A “proximidade” da amamentação é algo que mães e bebês valorizam, mas pode se tornar um ponto de discórdia entre mães e médicos (e especialmente, de forma surpreendente, pediatras). Também pode ser motivo de discórdia entre as mães e suas próprias famílias, que dizem que alimentar o bebê de acordo com as necessidades dele (“sob demanda”, como se diz, é um termo que reflete muito como a amamentação é percebida hoje em dia) faz com que o bebê seja “mimado”, excessivamente dependente, “carente”, incapaz de “se acalmar sozinho” e, claro, “exigente”.

Esses adjetivos não seriam usados em sociedades antigas ainda não expostas às “ideias modernas”, onde os bebês são, sem nem pensar, amamentados, mimados, abraçados e carregados a maior parte do tempo. Veja a foto 2. Nas sociedades modernas, as necessidades do bebê têm se tornado cada vez mais subservientes às necessidades dos pais e os bebês que mamam devem ser “eficientes sozinhos” e não demandar muito dos pais.

Toddlers love to breastfeedFoto 1. Esta criança de 20 meses ama mamar, curte o momento e não quer largar o peito. Ele está mamando mais do que leite – ele está mamando porque adora mamar.

Baby at the breastFoto 2. Esta mãe da República Centro-Africana vivia, na época em que tirei esta foto, em uma sociedade pouco mexida pelos valores ocidentais. Os bebês eram carregados constantemente e nunca recusavam o seioOs pais também passavam bastante tempo carregando o bebê.

Looking for comfortFoto 3. O que significa a mão do bebê dentro do vestido da mãe? As mães que amamentam sabem. Isso significa que a criança mama e esse gesto significa conforto e segurança para a criança.

Um dos aspectos mais legais da amamentação é que é uma maneira fácil de colocar os bebês para dormir; ainda assim, as mães são orientadas a não deixar o bebê adormecer no seio para evitar que o bebê “precise” dele para dormir. Curiosamente, não consigo me lembrar de uma mãe que tenha sido instruída a não deixar o bebê dormir enquanto mamava mamadeira.

É verdade que as mães são orientadas a não deixar o bebê dormir com a mamadeira na boca, pois pode causar cárie no bebê mais velho, mas não são orientadas a tirar a mamadeira assim que o bebê começa a dormir mamando nela. No entanto, dormir na mama não é “permitido”. Adormecer durante a amamentação é visto como um prelúdio para “problemas de sono”. Dormir na mamadeira não é visto como um prelúdio para “problemas de sono”, mas sim “ótimo, o bebê dormiu porque está satisfeito”. A propósito, amamentar o bebê / criança pequena antes de dormir não causa cárie por causa da diferença completa entre a mamada com mamadeira e o seio. A composição do leite materno e da fórmula também são completamente diferentes.

A noção de que a amamentação é apenas mais um jeito para dar leite ao bebê leva a outras orientações erradas de profissionais de saúde. Frequentemente as mães são orientadas de que o bebê não precisa mamar durante a noite aos 6, 9 meses de idade (alguns pediatras dirão 4 meses), e o fato de um bebê de 7 meses acordar à noite significa que ele tem um problema de sono e precisa de “treinamento para dormir”. Como foi decidido que um bebê acordar durante a noite é um comportamento anormal? Comparação com a mamadeira! A fórmula geralmente “enche” o bebê na “última” mamada do dia e assim ele dorme mais. Os pais que dão mamadeira também têm maior probabilidade de querer “treinar seus bebês para dormir”, o que essencialmente ignora as necessidades dele e o ensina a ignorar suas próprias necessidades.

O fato do bebê provavelmente estar acordando para conforto e segurança, dados pela mama, e não necessariamente para “comer” (embora às vezes seja para comer) não passa pela mente do pediatra / médico / enfermeira, etc. Sendo assim, se não é por fome, amamentar torna-se dispensável, desnecessário, uma perda de tempo e energia da mãe. O fato do aleitamento materno ser muito mais do que uma variedade “normal” da mamada com mamadeira, usando uma mamadeira mais macia, é algo que muitos, inclusive os profissionais de saúde, têm dificuldade de integrar em sua forma de pensar.

Frequentemente, os pais são orientados a ignorar os aspectos emocionais, entre outros, da amamentação porque o bebê não precisa deles e o “consultor do sono” não considera esses aspectos também, ainda que sejam mais importantes que o “alimentar”, especialmente nos bebês mais velhos. O fato de que bebês mais velhos nem sempre mamam por fome ou sede é visto se observarmos uma criança mais velha mamar, pedir água ou comida no meio da mamada, e depois voltar alegremente à amamentação. Todas essas coisas boas que a amamentação oferece são vistas como cada vez mais negativas à medida que o bebê cresce. Portanto, uma criança de 2 anos que dorme na mama ou quer mamar é vista como muito mais “dependente” do que um bebê e um sinal de que os pais não conseguiram “treinar” bem o bebê mais cedo. De fato, a segurança do seio na amamentação resulta em uma criança e futuro adulto muito mais independentes. Uma criança não se torna independente por causa da insegurança; a criança se torna independente quando sua necessidade de segurança é garantida e satisfeita por meio da amamentação, entre outras coisas.

As mães são orientadas, muitas vezes, a interromper a amamentação por causa dos medicamentos que ela deve tomar. O fato que o filho chora dia após dia por horas seguidas por não poder mamar nem mesmo é considerado e os danos causados à criança são vistos como triviais. É particularmente irritante porque quase nunca é necessário interromper a amamentação para tomar medicamentos, mesmo se o bebê for recém-nascido.

Muitas mães precisam ouvir que faz bem (na verdade, não apenas bem e sim é normal) atender às necessidades de seus bebês. Elas precisam ter a certeza de que a amamentação faz muito mais do que suprir a necessidade fisiológica de leite deles. A maioria das mães ficaria feliz em amamentar o bebê à noite e não se importaria em fazê-lo sempre que o bebê desejasse, mas, mesmo assim, seriam orientadas a amamentar o bebê de 3 em 3 horas ou não deixariam o bebê dormir no peito ou parariam as mamadas noturnas. Elas são criticadas e ridicularizadas por outras pessoas por fazerem, essencialmente, o que os bebês precisam desde sempre.

Por que a amamentação nem sempre é “ideal” e “bonita”, como descrito acima?

Infelizmente, a amamentação nem sempre é ideal ou bonita como dito acima – nem próximo disso. Muitos problemas surgem para mães e bebês, na maioria das vezes porque as mães não começam a amamentar da maneira ideal e bonita e não recebem ajuda qualificada durante os primeiros dias, cruciais, ou mesmo após os primeiros dias. Mães tem mamilos doloridos, seios doloridos, o bebê não mama o suficiente do seio ou a mãe não recebe a ajuda que precisa a fim do bebê obter mais leite do peito. Mesmo algo tão simples, (simples, se a ajuda for experiente e habilidosa), como colocar o bebê em boa pega raramente é ensinado. As mães são sobrecarregadas com “regras” e conselhos pouco úteis sobre como amamentar, como “amamentar o bebê com apenas uma mama em cada mamada”, amamentar de 3 em 3 horas, usar bico de silicone, interromper a amamentação para poder tomar medicamentos, entre outros que dificultam a amamentação.

Em alguns países, especialmente nos Estados Unidos, a licença maternidade é tão inadequada e tão lamentável que a amamentação muitas vezes pára porque o bebê recusa o seio depois de mamar mamadeira a maior parte do dia, ou porque o suprimento de leite materno diminui e não consegue acompanhar a extração.

E tantas outras maneiras pelas quais a amamentação é atrapalhada.

Aqui está um exemplo de como equiparar a alimentação com mamadeira à amamentação causa problemas para a mãe e o bebê. Do artigo mencionado na primeira linha.

Do e-mail de uma mãe: “Meu bebê não estava ganhando peso bem, então o médico sugeriu que eu bombeasse meu leite e o desse na mamadeira para que soubéssemos quanto ele está recebendo”. Há tanta coisa errada nessa orientação, que, infelizmente, é frequente para mães de bebês que não ganham peso!

Essa “orientação” do médico implica que o que a mãe consegue bombear do seio é o que o bebê recebe da mama. Isso, com base na experiência clínica e em mais de um estudo claramente não é verdade. Um bebê que pega bem e está mamando bem pode tirar mais do seio do que a mãe consegue bombear. Um bebê que tem pega ruim geralmente não mama bem e, portanto, tirará menos leite da mama do que a mãe pode bombear. Se a mãe consegue bombear tanto quanto o bebê precisa para que ele ganhe peso bem, então o bebê deve ser ajustado para ser capaz de ganhar peso bem tirando ele mesmo o leite do seio.

Ao lidar com questões de amamentação, a mãe e o bebê precisam de ajuda competente para que o bebê mame bem. Se, com base na orientação acima, a mãe não puder bombear ou extrair o leite de que o bebê precisa, a mãe ficará desanimada e poderá abandonar totalmente a amamentação. Muitas mães cujos bebês estão ganhando peso bem amamentando exclusivamente não conseguem bombear ou extrair leite em quantidade suficiente para as necessidades do bebê, mesmo que a mãe fique separada do bebê por um ou dois dias e bombeie seu leite regularmente. A extração nos mostra apenas a capacidade da mãe de extração e nada tem a ver com a amamentação, por mais que algumas pessoas tentem fazer essa relação.

Além disso, as “necessidades” do bebê baseiam-se no que um bebê alimentado com fórmula na mamadeira precisaria e não há evidências de que as quantidades baseadas nas necessidades deste bebê se apliquem às necessidades do bebê exclusivamente amamentado.

Mesmo que haja leite materno na mamadeira, a alimentação com mamadeira é um método de alimentação completamente diferente da amamentação e o fluxo de leite da mamadeira é constante. O resultado? O bebê beberá quantidades de leite diferentes do leite materno e provavelmente mamará demais. O leite materno é diferente e os estudos mostram que entre um e cinco meses após o nascimento o suprimento de leite materno não aumenta substancialmente. O leite materno, cuja composição muda com o tempo, difere da fórmula, que tem composição constante (se preparada de maneira adequada) e, portanto, para suprir a inadequação da fórmula, as necessidades do bebê alimentado com ela aumentam com o aumento do peso.

O que mais há de errado na orientação dada à mãe mencionada acima é que muitas vezes o bebê, depois de mamar mamadeira por vários dias, se recusa a mamar no seio novamente. Essa perda é grande, porque amamentar é mais do que um método de dar leite ao bebê. Amamentar, na verdade, amamentar o bebê no peito, é uma relação física e emocional, íntima e próxima entre duas pessoas que se amam muito. A mamadeira, mesmo contendo leite materno, não consegue imitar essa relação de jeito nenhum.

Veja também os artigos Amamentando uma criança e o direito de amamentar

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Copyright for the English original: Jack Newman, MD, FRCPC, Andrea Polokova, 2017, 2018, 2020

Copyright for the Portuguese translation: Jack Newman, MD, FRCPC, 2020

Translation to the Portuguese: Maria Luisa Silva Quintino (Brazil)