A CHAMADA ICTERÍCIA DO LEITE MATERNO
Veja o artigo sobre icterícia de início precoce.
A chamada “icterícia do leite materno” é considerada anormal por muitos médicos, talvez até pela maioria deles. Mesmo aqueles que sabem que é normal que bebês de 3 ou 6 semanas de idade e até mais velhos tenham icterícia visível, podem, pelo medo generalizado da icterícia, orientar a mãe a interromper a amamentação por 24-48 horas para “provar” que o problema é causado pela amamentação. Tenho sido contatado por mães que foram orientadas a interromper a amamentação por uma semana (e às vezes até para sempre) por causa desse “problema”.
Na verdade, interromper a amamentação e dar fórmula em mamadeira por 24-48 horas pode causar problemas de verdade significativos na amamentação, e a interrupção temporária da amamentação pode significar a interrupção completa para o bebê. De onde vem a ideia de parar de amamentar por uma semana é óbvio. A ideia é que parar de amamentar por 24-48 horas “prova que a icterícia é por causa do leite materno”. Mas quando um médico diz a mãe que ela deve parar temporariamente, o médico está na verdade dizendo “Oh não, icterícia! A bilirrubina é tão perigosa! Vai demorar uma semana para se livrar da icterícia.”
É comum que bebês com “icterícia por leite materno” tenham óbvia boa saúde. Não há nada de relevante na história do bebê, nenhum achado físico preocupante e a observação da amamentação mostra um bebê mamando muito bem no peito.
Por outro lado, um bebê que está com icterícia porque não está mamando o suficiente da mama pode permanecer com icterícia na segunda e até na terceira semana de vida, e portanto, não se pode simplesmente presumir que esse bebê ictérico tem “icterícia no leite materno”. Curiosamente, a maioria dos bebês amamentados exclusivamente que não mamam o suficiente da mama não apresentam icterícia. Isso ocorre porque é normal e bom ter “icterícia no leite materno”.
Por quê? Como a icterícia pode ser boa?
A bilirrubina é um antioxidante, um poderoso citoprotetor e há boas evidências de que níveis leves a moderados de bilirrubina podem proteger o corpo contra o estresse oxidativo. Um citoprotetor é aquele que protege as células contra danos.
Há uma associação fascinante de níveis mais altos de bilirrubina que o esperado em uma doença hereditária chamada síndrome de Gilbert e a menor incidência de aterosclerose, que agora se sabe ser uma doença inflamatória. Isso é conhecido há muitos anos. Um médico com quem trabalhei em 1970 tinha síndrome de Gilbert e ele se gabava para nós porque insistia que seu risco de infarto do miocárdio era muito menor do que o nosso. Ele sempre parecia ter um belo bronzeado, 12 meses por ano. Na verdade, as pessoas com Gilbert são, aparentemente, normais. Frequentemente, a icterícia não é perceptível nessas pessoas, mas com infecção ou estresse, a bilirrubina pode aumentar. Interessante? Talvez a bilirrubina seja uma coisa boa, aumentando para proteger o indivíduo quando ele tem algum tipo de infecção.
Se houver dúvida de o bebê ter doença hepática, uma bilirrubina sérica, com níveis indiretos e diretos, deve ser feita. Geralmente é fácil suspeitar de uma doença hepática que causa icterícia. A urina do bebê costuma ser acastanhada e as fezes são mais claras que o normal, embora isso não seja tão fácil de notar, já que as fezes de um bebê são mais claras que as de um adulto naturalmente. A causa mais comum de icterícia em um bebê recém-nascido é uma condição chamada atresia biliar, em que os dutos que vão do fígado ao trato intestinal do bebê são bloqueados. No exame físico feito por um médico ou enfermeira, o fígado geralmente está aumentado e o baço também.
Estudo de caso
O bebê nesta foto tem 7 semanas. Ele nasceu ligeiramente prematuro com 36 semanas de gestação. Surpreendentemente, ele foi amamentado exclusivamente no hospital, o que é incomum na maioria das vezes, onde frequentemente um bebê de 36 semanas de gestação, apesar de não ter problemas de saúde, recebe automaticamente fórmula. Por quê? Porque esse bebê corre risco de baixo açúcar no sangue. Ah, não, isso não é verdade, não se ele estiver mamando bem.
Aqui estão seus pesos: Ao nascer, 2,87 kg. Às 7 semanas, quando o vi pela primeira vez, 4,57 kg. Acho que todos concordam que o ganho de peso é muito bom.
Foto 1. Bebê de 7 semanas com icterícia visível. Ele está mamando exclusivamente muito leite da mama e também ganhando peso. Sua urina é límpida como água e não há evidências de doença hepática.
Então, o que eu fiz?
Eu não preocupei a mãe dizendo que a icterícia era um problema.
No entanto, eu disse que era normal que bebês amamentados exclusivamente com leite materno ficassem ictéricos, de modo que, se alguém notasse isso, ela não se preocupasse (curiosamente, a mãe não havia percebido a icterícia).
Não fiz exames de sangue, mas perguntei sobre a cor da urina e examinei o abdômen do bebê para me certificar de que ele não tinha fígado e baço grandes. A mãe afirmou que a urina do bebê estava clara como água. Quando examinei o bebê, o fígado e o baço do bebê não estavam aumentados.
Não disse para interromper a amamentação – pelo contrário: insisti que ela continuasse com amamentação exclusiva.
Eu a ajudei a superar sua dor mamilar. Isso foi fácil, simplesmente ajudando-a a ajustar a pega do bebê.
Foto 2. Bebê de um mês com icterícia do leite materno. Ele está mamando exclusivamente, ganhando peso bem, a urina é clara como água, e não há aumento do fígado e do baço. Não há razão para interromper a amamentação. É prejudicial pro bebê ser retirado da mama e receber fórmula, conforme recomendado pelo médico de família.
Ao contrário do bebê anterior, a mãe desse bebê estava sendo pressionada pelo médico da família para interromper a amamentação. Não havia razão para parar de amamentar, nem mesmo uma mamada a menos.
E aqui uma menina de 16 dias com icterícia que está mamando lindamente. Infelizmente, não consegui filmar esse bebê a tempo de mostrar como ele mamava bem. Mas estava mamando muito leite. Lembre-se de como saber se um bebê está mamando bem (pausa no queixo)
Foto 3. Bebê de dezesseis dias com icterícia visível. Mama muito bem e recebe muito leite da mama. Não há necessidade de interromper a amamentação e nem é bom interromper.
A conduta muitas vezes é: não tem problema, é fácil, é só tirar o bebê do peito e dar fórmula por 24 horas.
Bem, é definitivamente mais fácil para o médico, é verdade, mas….
Não necessariamente mais fácil para a mãe. É fácil orientar que a mãe interrompa o leite materno enquanto o bebê está sendo alimentado com fórmula, mas nem sempre é fácil fazê-lo. Às vezes, as mães ficam com ingurgitamentos muito dolorosos nos seios apesar de bombear.
Não necessariamente mais fácil para o bebê. Aqui está um segredo. Muitos bebês não respondem bem à fórmula. Não ouvimos muito sobre os efeitos colaterais em bebês que bebem leite em pó. Por exemplo, muito vômito. Alguns, mesmo com 3 semanas de idade, não aceitam a mamadeira.
Pode prejudicar a confiança da mãe na amamentação e no leite materno. As mães recebem mensagens de departamentos de saúde pública, de revistas, de seus médicos falando que “o seio é melhor”. Mas quando o bebê tem “icterícia do leite materno”, “você precisa parar de amamentar e dar fórmula ou seu bebê pode ter dano cerebral”. Qual é a mensagem verdadeira? Amamentar é perigoso.
Pode resultar em dificuldades para amamentar. O mito comum entre muitos profissionais de saúde é que não há problema em dar algumas mamadeiras para bebês amamentados ao seio. Como podem pensar isso se já tiveram alguma experiência em amamentação e em ajuda de mães que amamentam? Só pode vir da ideia de que amamentação e mamadeira são a mesma coisa. Claro, não faltam empresas que colocam suas mamadeiras como “exatamente igual ao seio”, mas isso é marketing e não é verdade.
Pode fazer com que a mãe pense: “Meu leite é perigoso para o bebê”. Muitos médicos usarão o argumento de “dano cerebral” se a mãe estiver relutante em parar de amamentar, mas até mesmo tentar convencer a mãe a parar de amamentar é suficiente para plantar na mente dela a semente de que amamentar é perigoso.
“Meu bebê está fazendo muitos exames”. Algumas mães pararam de amamentar para evitar que o bebê precisasse tirar sangue a cada poucos dias. E quais informações vêm desses exames? Raramente, ou nunca, o médico obtém mais informações do que o nível de bilirrubina naquele dia. E como isso muda a situação? O resultado desses testes de bilirrubina é basicamente: “Hmmm, a bilirrubina ainda está acima de um nível que eu gosto de ver. Então, vamos fazer outro em alguns dias”.
Um caso triste e uma boa pergunta, a primeira do blog pessoal de uma mãe e a segunda de um e-mail
1. “Meus mamilos pareciam carne moída, mas eu continuei. Eu queria conseguir. Então, o pediatra me disse que ele tinha icterícia por leite materno. Me deu 3 latas de fórmula e me orientou a tirar o leite materno por 3 dias e dar-lhe a fórmula. Eu fiquei louca. Só conseguia pensar “Passei por tudo isso para amamentar e na verdade eu estava envenenando ele o tempo todo” (ênfase minha). A icterícia dele desapareceu em 2 dias e eu parei de amamentar. Perdi todo o controle sobre minhas emoções no estacionamento do consultório médico e liguei para meu marido para dizer que nunca mais amamentaria enquanto vivesse”.
Meus comentários: Bem, se os mamilos da mãe doíam, então o bebê não tinha boa pega. Isso não é um “talvez o bebê tenha uma pega ruim”. O bebê definitivamente tinha uma pega ruim! E muito poderia ter sido feito para ajudar a mãe. Na verdade, é fácil tratar dor mamilar, se souber como. Mas o que a maioria dos médicos sabe sobre ajudar mães? A maioria não sabe de nada.
O que o pediatra fez para ajudar essa mãe? Nada, ao que parece. Parece que nem se preocupou em encaminhá-la a alguém que pudesse ajudá-la. Acho que este é mais um pediatra que acredita que é normal ter dor nos mamilos na amamentação. O pediatra realmente acredita que o fato de ser pediatra significa não poder ajudar a mãe porque “o bebê é meu paciente, não a mãe”? A mãe e o bebê são um par, uma díade, um casal, intimamente ligados um ao outro e por isso a mãe também é paciente do pediatra. A mãe é a paciente do pediatra porque este provavelmente aprendeu uma coisa na sua residência: o seio é o melhor. Então, se a mãe parar de amamentar, ela está tirando do bebê a melhor alimentação que é o aleitamento materno. Muitas mães com esse tipo de dor, igual ao que essa mãe teve, teriam parado bem de amamentar bem antes de ir ao pediatra.
Como já mencionado neste artigo, “icterícia do leite materno” não só não é ruim para o bebê, mas provavelmente é bom. Mas a “icterícia do leite materno” e três latas de leite em pó selaram o destino da amamentação dessa mãe. Por causa da má pega, é possível que o bebê realmente não estivesse mamando leite suficiente e o problema talvez não fosse “icterícia por leite materno”, mas sim “icterícia por leite materno insuficiente”.
E o pediatra deu à mãe 3 latas de fórmula? Isso é terrível. Não ajuda. Não é um presente, porque essa mãe agora vai gastar muito mais dinheiro nos próximos meses para pagar aquele “presente”. Quem ganha? A fabricante de leite em pó, é claro, porque é provável que a mãe compre a mesma marca durante todo o tempo em que o bebê for alimentado com ele. Com que direito esse pediatra se torna um agente de marketing de fórmulas?
Que mensagem a mãe recebeu dessa consulta com o pediatra? “Passei por tudo isso para amamentar meu bebê e eu estava envenenando ele o tempo todo”. Envenenando seu bebê com leite materno! Muito bem, doutor. E, não surpreendentemente, ela não amamentará nenhum de seus próximos bebês.
2. “Acho um pouco estranho que os médicos sejam firmes em orientar amamentação a cada 3 horas no hospital e se certificar de que estava mamando bem antes de irmos para casa e agora eles acham que é isso que o faz doente. Estou lhe enviando um e-mail para ver se consigo uma explicação mais clara para toda esta situação e para a aflição do meu filho”.
Meus comentários: talvez esses médicos sejam mais solidários do que o pediatra no caso anterior, talvez. Sim, eles querem ter certeza de que o bebê mama bem, uma meta digna. Mas podem estar nervosos e preocupados se a amamentação está indo bem porque não sabem o que esperar dela e não sabem ver se um bebê está recebendo leite. Como muitos médicos e outros profissionais de saúde, eles acreditam nos números. Mas não é a frequência com que um bebê mama, mas o quão bem ele mama. Um bebê que mama bem 6 vezes ao dia está melhor do que um bebê que mama mal 8, 10, 12 vezes ao dia. Não é verdade que um bebê está mamando simplesmente porque tem o seio na boca e faz movimentos de sucção. Como saber se um bebê está mamando bem no peito?
E que mensagem a mãe recebeu dos médicos? O leite materno deixa seu bebê “doente”. Não apenas doente, mas o bebê tem uma “aflição”, uma palavra de ressonância bíblica. Algo como as 11 pragas do Egito: sangue, sapos, piolhos, icterícia…
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Translation: Dra Maria Luisa Silva Quintino (Brazil)