Amamentação e bilirrubinas e ictericia

Veja a discussão separada sobre “A chamada icterícia do leite materno”

É frequente e normal que os bebês tenham icterícia nos primeiros dias após o nascimento. Mas a bilirrubina que causa a cor amarela na pele do bebê é protetora e é um antioxidante (os dois links te direcionam a dois estudos diferentes). Freqüentemente, tratamos níveis de bilirrubina aumentados com muito mais medo do que merecem. É incomum observarem os bebês mamando no peito logo após o nascimento e antes de ficarem ictéricos com níveis de bilirrubina acima do esperado. Uma vez que a icterícia se torna uma preocupação para a equipe cuidadora do hospital, a solução oferecida quase sempre será a fototerapia e, muitas vezes, a alimentação com fórmula infantil na mamadeira. Esta abordagem acaba deixando para trás a verdadeira raiz do problema que é:


O bebê está mamando bem? O bebê está realmente conseguindo receber leite materno da mama ou está apenas segurando a mama na boca e fazendo movimentos de sucção sem mamar? O bebê não está necessariamente mamando só porque está com a mama na boca e faz os movimentos de sucção. Saber se o bebê está com boa pega e conseguindo mamar de verdade faz toda a diferença no que vem a seguir.


Se um bebê ictérico não mama bem no peito, ele e a mãe precisam de ajuda para amamentar. A suplementação com fórmula só deve ser feita se ajudar a mãe com a pega e se mesmo fazendo a compressão manual das mamas a mãe não conseguir ofertar mais leite materno para o bebê. A suplementação pode ser feita com o leite ordenhado da própria mãe (é a primeira escolha), com leite materno de doador devidamente tratado (todo hospital com maternidade e pediatria deveria ter um banco de leite por tais motivos) e, se necessário, com fórmula infantil através de um aparato de lactação junto ao seio materno.


Se o bebê não está recebendo leite diretamente da mama, como a mãe pode extrair o leite que “não está lá”? O leite está lá na grande maioria dos casos. O bebê apenas não consegue receber o leite geralmente por causa de uma pega incorreta. O colostro começa a ser produzido por volta de 16 ou 17 semanas de gestação. Se o bebê não está recebendo leite diretamente da mama, é possível e aconselhado que a mãe extraia seu leite (a extração manual geralmente funciona melhor) e o ofereça com um aparato de lactação junto ao seio, no copinho ou na seringa. Mesmo assim, a mãe deve receber ajuda o tempo todo para fazer com que o bebê pegue bem a mama e receba o leite sozinho, podendo se utilizar da compressão manual das mamas que muitas vezes ajuda o bebê a receber mais leite.


É normal que os bebês tenham icterícia durante os primeiros dias de vida (exceto nas primeiras 24 horas). A bilirrubina que causa a coloração amarelada da pele do bebê atinge um pico, geralmente no terceiro dia de vida, e depois começa a diminuir novamente. É chamada de “icterícia fisiológica” porque é normal de acontecer. De onde vem esta bilirrubina?

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As mães também amamentavam ao seio na Idade Média


A bilirrubina é formada quando os glóbulos vermelhos mais velhos morrem e liberam sua hemoglobina. A parte globina da hemoglobina é reciclada e “sobra” a parte heme, que é tóxica e o corpo quer se livrar dela. Então, o corpo quebra a parte heme para recuperar uma molécula de ferro dele e o restante forma um composto chamado biliverdina. A biliverdina, por sua vez, é quebrada por uma enzima chamada biliverdina redutase (para os estudantes de bioquímica) em bilirrubina. A icterícia fisiológica que ocorre em recém-nascidos se deve ao fato de que a hemoglobina do feto e do recém-nascido é diferente da do adulto e tem uma vida útil muito mais curta do que a hemoglobina dos adultos (80 dias em média para a hemoglobina fetal comparado a 120 dias em média para a hemoglobina adulta), além do fato de que os recém-nascidos têm muitos glóbulos vermelhos, muito além da média de um adulto, e o fígado do bebê pode não ter a capacidade de lidar com todas essas células vermelhas circulantes.

 

 


O corpo não necessita produzir bilirrubina. A biliverdina, antecessora à bilirrubina, é simples de eliminar. Ainda assim o corpo produz bilirrubina e raramente produz algo sem motivo. Na verdade, o gasto de energia para o corpo produzir bilirrubina a partir da biliverdina é consideravelmente alto. Cada molécula de biliverdina que é convertida em bilirrubina consome uma molécula de NADPH e, para aqueles que realmente se lembram da bioquímica que aprenderam (ou não) na faculdade, isso é uma grande quantidade de energia.


A bilirrubina é um antioxidante e há boas evidências científicas de que níveis leves e moderados de bilirrubina ajudam a proteger nossas células contra o estresse oxidativo. Há uma associação fascinante de níveis aumentados de bilirrubina em uma doença hereditária chamada síndrome de Gilbert (uma condição que causa elevações leves de bilirrubina ao longo da vida) e uma menor incidência de aterosclerose, que hoje acreditamos ser uma doença inflamatória. Quando as pessoas com síndrome de Gilbert contraem uma infecção ou ficam estressadas sua bilirrubina sobe, sugerindo novamente que a bilirrubina tem fator de proteção.


Então de que maneira tudo isso se encaixa na explicação do aumento da bilirrubina em um bebê de 3 ou 4 dias? Quando um bebê amamentado ao seio tem um nível de bilirrubina aumentado, geralmente significa que o bebê não está mamando bem. A abordagem é ajudar a mãe a amamentar melhor o bebê para que ele receba mais leite materno, melhorar a pega do bebê, fazer compressões manuais da mama e, se necessário, complementar o bebê com um aparato de lactação na mama. O problema não é a bilirrubina alta, o problema é a amamentação inadequada. A bilirrubina é um “efeito secundário inocente”, sendo considerado responsável por danos cerebrais quando na verdade é a desidratação, a acidose e outras anormalidades metabólicas que são a raiz do problema em casos mais graves de amamentação ruim. A fototerapia pode diminuir a bilirrubina mas não resolve o problema real do bebê não estar mamando bem. Corrija a amamentação antes que a situação se agrave e previna a fototerapia, que pode também causar danos, e perceba como a complementação não seria necessária na maioria das vezes.


Com relação à incompatibilidade ABO ou outras causas de incompatibilidade, se o bebê está mamando bem, não há razão para complementação da mamada. Complementar a amamentação sugere que o leite materno causa icterícia. E não causa. No caso da hemólise, é a rápida degradação dos glóbulos vermelhos que é o problema, não o leite materno. Se o bebê não está mamando bem, a primeira coisa a fazer é ajudar a mãe e o bebê na amamentação.


É por esta razão que a chamada “icterícia do leite materno”, que ocorre em bebês amamentados exclusivamente até 3 ou mais meses após o nascimento, não é um problema como a maioria dos médicos acredita. Se o bebê está se alimentando bem, mamando bem no peito (este bebê está mamando muito bem no peito), ganhando peso bem e não há sinais de problemas hepáticos (o que causa outro tipo de icterícia), então a “icterícia do leite materno” é boa, não ruim e a bilirrubina está agindo para proteger as células do bebê.

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Copyright for the English original: Jack Newman, MD, FRCPC, 2017, 2018, 2020

Copyright for the Portuguese translation: Jack Newman, MD, FRCPC, 2020

Translation to the Portuguese: Maria Luisa Silva Quintino (Brazil)